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Ideia transformada em inovação: uma jornada coletiva

César Tureta • nov. 06, 2020

* Publicado no Medium

É muito comum associar a criatividade e a inventividade a uma figura destacada que possui uma mente brilhante e trabalha sozinha em seu universo criativo. Contudo, o ato de criar algo novo não ocorre de maneira isolada. Além do trabalho individual, ele é a consequência da interação do indivíduo com outras pessoas e com ideias anteriores. Até mesmo inventores como Thomas Edison, artistas como Charles Chaplin e cientistas como Albert Einstein, considerados gênios em seus campos de atuação por seus trabalhos individuais, se inspiraram nas ideias de outras pessoas e precisaram de uma rede de conexões para que seus trabalhos pudessem ser reconhecidos.


Não basta que uma ideia seja boa. Ela precisa receber apoio de entusiastas, ser promovida pelo seu criador, ser difundida pelos apoiadores e defendida diante daqueles que podem financiá-la (investidores), divulgá-la (rede de colegas de trabalho), implementá-la (chefe) ou transformá-la em uma inovação (empreendedor). Isso significa dizer que ser um gênio das ideias criativas não é suficiente para que elas sejam bem sucedidas.


Muito esforço é necessário após o ato de criação. Isso acontece porque o sucesso de uma ideia também depende dos outros, de uma rede de relacionamentos que ajudará na sua difusão e implementação. Assim, uma ideia percorre um longo caminho desde o momento “Eureka” até a sua transformação em uma inovação. Esse caminho pode ser chamado de “A Jornada da Ideia”. É o que os pesquisadores Jill Perry-Smith e Pier Mannucci mostram em um artigo publicado em 2017 na revista científica Academy of Management Review.


Segundo esses autores, do surgimento à implementação, uma ideia passa por uma jornada que envolve quatro fases: 1- geração da ideia; 2- elaboração da ideia; 3- defesa da ideia e; 4- implementação da ideia. Em cada dessas fases a ideia demanda uma necessidade específica: 1- flexibilidade cognitiva; 2- suporte; 3- influência e legitimidade; 4- visão compartilhada e entendimento.


Fase 1: Geração da Ideia — Necessidade: Flexibilidade Cognitiva

A fase de geração da ideia é aquela em que se cria propriamente uma ideia nova e útil. Nessa fase ocorre o surgimento de várias ideias e a seleção daquela que parece ser a mais promissora e útil. Uma ideia útil é aquela que tem potencial de adicionar valor para um público específico. Na fase de geração, a ideia é apenas uma representação vaga ou conceito central que será posteriormente desenvolvido. Embora essa fase tenha como ponto de partida a mente do seu criador, ela sofre influência de uma série de estímulos do seu contexto social. Gerar ideias não quer dizer criar algo do nada. Toda criação parte de coisas previamente existentes e combinações entre elas são realizadas.


Por isso, a necessidade principal nessa fase é a de flexibilidade cognitiva. Flexibilidade cognitiva refere-se à capacidade de um indivíduo de pensar de maneira alternativa para solucionar um problema. Isso significa não se ater a rigidez das regras e a padronização do conhecimento existente. Um exemplo de flexibilidade cognitiva é fazer associações incomuns entre ideias conceitualmente distantes. É criar pontes entre dois mundos, entre duas soluções ou entre dois campos de conhecimento que até então eram estranhos uns aos outros. A pós a ideia ter sido gerada, parte-se para a fase seguinte: a elaboração da ideia.


Fase 2: Elaboração da Ideia — Necessidade: Suporte

Essa fase compreende o processo de avaliar sistematicamente o potencial da nova ideia. Aqui a ideia será analisada para a identificação de possíveis inconsistências e elaboração de melhorias para que ela fique mais clara. Criar uma ideia nova é sempre arriscado, pois ela pode violar o padrão estabelecido e acabar enfrentando resistências. Assim, o criador da ideia deve antecipar possíveis resistências e se preparar para contorná-las. É nessa fase que a ideia sai de um conceito abstrato para uma forma mais desenvolvida que esteja suficientemente pronta e compreensível para ser compartilhada.


Considerando que uma ideia nova está rodeada de incertezas sobre sua aceitação, nessa fase o criador tem necessidade de suporte. Duas formas de suportes são bastante comuns: suporte emocional e feedback construtivo. O suporte emocional ajuda a reduzir o sentimento de incerteza e serve como fonte de motivação para que o criador não desista da ideia e persista na sua elaboração. Pessoas próximas ao criador (colegas de trabalho, gestores, amigos e familiares) tem um papel importante de encorajar o criador a continuar desenvolvendo a ideia, já que projetos criativos podem parecer iniciativas ruins quando estão na sua fase inicial de elaboração. Outra necessidade dos criadores nesse momento é o feedback construtivo. Sugestões que contribuam para a melhoria da ideia são sempre bem vindas nesse momento e ajudam o criador a seguir em frente. Com o suporte emocional e o feedback construtivo, o criador sente-se confortável e confiante para defender sua ideia para outras pessoas. E isso acontece na fase 3.


Fase 3: Defesa da Ideia — Necessidade: Influência e Legitimidade

A fase da defesa da ideia pode ser entendida como o momento de lutar pela sua própria ideia, seja em uma reunião com o chefe ou na frente de um grupo investidores em uma sessão de pitch. Essa não é uma tarefa fácil, já que ideias novas costumam sofrer resistências por contrariarem o status quo. Por isso, correm o risco de serem rejeitadas. Nesse sentido, essa fase representa a promoção ativa da ideia em busca de sinal verde para permanecer trabalhando nela e ter acesso a recursos financeiros para: 1- bancar os investimentos necessários; 2- reunir as pessoas certas para montar uma equipe de trabalho. Para conquistar tudo isso é essencial criar bons argumentos em favor da ideia e destacar seus pontos positivos, mostrando o que a organização ou o departamento ganha com a implementação da ideia.


Nessa etapa a necessidade do criador é de influência e legitimidade. A influência diz respeito aos contatos que o defensor da ideia possui. Nesse momento ter uma rede de conexões composta de pessoas bem posicionadas na organização ou no ecossistema de inovação contribui significativamente para o sucesso dessa etapa. Além da influência, a legitimidade também conta. A legitimidade é construída a partir do desempenho passado do criador. A competência e a reputação do criador servem como indicador da sua capacidade de implementar a ideia e ser bem sucedido. Os tomadores de decisão da empresa e os investidores se importam com a legitimidade do criador da ideia e usam isso para decidirem se apoiarão ou investirão na sua implementação.


Fase 4: Implementação da Ideia — Necessidade: Visão Compartilhada e Entendimento

A fase de implementação da ideia é o momento de colocar a mão na massa para dar vida ao conceito definido e desenvolvido nas fases anteriores. Essa fase pode ser dividida em duas subfases: produção e impacto. A subfase da produção representa o processo de transformação da ideia em algo concreto (produto, serviço ou processo). É a execução de um conjunto de atividade que irão dar vida a ideia para que ela possa ser comercializada ou utilizada pelo público-alvo. Aqui é a necessidade principal é de visão compartilhada, isto é, uma compreensão comum entre os membros da equipe sobre o valor da inovação. A visão compartilhada facilita o comprometimento da equipe de trabalho e o espírito colaborativo.


A subfase de impacto acontece quando a inovação já está sendo comercializada. Ela será usada e avaliada pelo público-alvo, que pode considerá-la a nova referência em um determinado setor. Para que a inovação seja aceita, esse público precisa compreender o que é a inovação, para que ela serve e como ela pode resolver seus problemas. Caso isso esteja claro é possível superar as resistências que são naturais quando uma novidade aparece.


A maneira como uma ideia nova irá percorrer a jornada pelas quatro fases determina, em grande medida, o seu sucesso final. O que no início eram apenas ideias abstratas ou rabiscos em papel pode finalmente se transformar em uma inovação. Como mostrado anteriormente, a jornada da ideia não é simples e fácil. A transformação de uma ideia nova em inovação não é um empreendimento solitário de uma mente brilhante. Ela demanda muito esforço, persistência e, especialmente, depende da interação e da relação com outras pessoas.


Referência

Perry-Smith, J. E.; Mannucci, P. V. (2017). From Creativity to Innovation: the Social Network Drivers of the Four Phases of the Idea Journey, Academy of Management Review, 42(1), 53–79.


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